O que determina a qualidade de uma educação STEAM?
A excelência na abordagem STEAM vai além da simples acumulação de recursos tecnológicos
em 29/08/2024
Por Vitor Fontes*
Não restam dúvidas de que o crescente debate em torno da abordagem STEAM favoreceu a evolução da prática educativa. Porém, as maiores questões no momento são: em que medida o surgimento da abordagem STEAM contribuiu para uma educação inovadora? E, afinal, o que determina a qualidade de uma educação STEAM?
Cultura e Tecnologia na Educação
No livro Cibercultura, o sociólogo francês Pierre Lévy afirma que a tecnologia nasce dentro de uma cultura e influencia a sociedade, mas sem determiná-la. Ou seja, Lévy destaca que a sociedade é condicionada, mas não rigidamente controlada, pelas suas técnicas. Essa distinção é crucial para nossa discussão.
Para ilustrar essa ideia, Lévy faz uma analogia com a invenção do estribo, que possibilitou uma nova forma de cavalaria pesada. Essa inovação, por sua vez, moldou o imaginário da cavalaria e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No entanto, Lévy deixa claro que o estribo não causou o feudalismo europeu diretamente. Ele influenciou a cavalaria e, indiretamente, o feudalismo, mas não determinou esses fenômenos.
Portanto, a complexidade de fatores e agentes envolvidos impede qualquer análise determinista. Isso vale tanto para a relação entre a invenção do estribo e o feudalismo quanto para a presença de tecnologias digitais, novas competências, metodologias ativas e a Educação STEAM.
Em contrapartida, podemos dizer que fica difícil imaginar os cavaleiros com suas armaduras pesadas, sobre os cavalos de batalha, sem o auxílio do estribo. Assim como também é difícil imaginar uma abordagem educacional que integra as noções de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática sem o apoio de aparatos tecnológicos, de novos ambientes educativos e de professores mobilizados.
Deste modo, cabe-nos pensar como estes múltiplos fatores podem condicionar, ou também, podem subsidiar uma educação STEAM de qualidade. Neste texto em especial, buscamos a influência dos 3 fatores citados anteriormente para a estruturação desta abordagem inovadora, a saber:
1) a transformação digital;
2) os novos ambientes educativos;
3) a fundamental importância de professores mobilizados.
1) A transformação digital
Quando falamos sobre a transformação digital na educação, muitas escolas ficam empolgadas com a quantidade de novas ferramentas e plataformas disponíveis. Muitas vezes, acreditam que apenas adquirir esses recursos fará delas instituições inovadoras.
No entanto, é crucial entender que uma educação STEAM de qualidade precisa, antes de tudo, de um bom plano para integrar essas ferramentas. Embora as novidades e aquisições sejam atraentes, o professor espanhol Pérez Gómez alerta que “novas tecnologias com velhas pedagogias não servem para nada”. Em outras palavras, a transformação digital e a educação STEAM só acontecem quando os dispositivos e plataformas realmente ajudam no processo de ensino.
O professor Emir Suaiden, da UNB, lembra que as tecnologias continuam a avançar, com ou sem a aceitação das escolas. As mudanças tecnológicas vão acontecer, queira a escola ou não. Lévy também observa que, enquanto discutimos como usar uma nova tecnologia, algumas formas de uso já estão se estabelecendo.
Portanto, a transformação digital na educação deve se concentrar, primeiro, em criar um bom plano pedagógico antes de investir em novos recursos. Esse plano deve combinar aspectos físicos e digitais com as necessidades humanas e sociais, e também deve promover uma nova maneira de aprender.
2) Os novos ambientes educativos e as novas relações com o saber
Pierre Lévy também fala sobre a importância de criar espaços para o conhecimento, que sejam abertos e conectados com novas perspectivas. Ele sugere que, para ter uma nova forma de aprender, é necessário ter um novo ambiente educativo, e vice-versa.
Em 2018, participei de um projeto com alunos do Ensino Médio na escola Firjan SESI em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Fizemos quatro encontros aos sábados pela manhã, com o objetivo de experimentar um novo ambiente educativo. Formamos uma turma mista de 1º e 2º ano do Ensino Médio e fizemos algumas mudanças, como substituir as carteiras individuais por mesas coletivas e oferecer materiais como notebooks, impressora, cartolina, post-its, canetas, kits de robótica e até um espaço para café da manhã.
Surpreendentemente, a maior mudança foi na forma como os alunos produziam conhecimento. Os temas surgiam a partir de assuntos de interesse dos estudantes, como o uso de canudos plásticos. Cada problema tinha uma equipe dedicada, mas os grupos se formavam e mudavam conforme as novas demandas. Alguns alunos trabalharam na criação de um protótipo de canudo sustentável, enquanto outros se concentraram na logística e escala de produção. Houve até um grupo que fez poesias e as espalhou pela escola usando QR codes para engajar a comunidade escolar.
Esse tipo de prática é exatamente o que o professor José Moran defende: espaços educativos que proporcionam experiências frequentes e estimulantes, enriquecendo o desenvolvimento dos alunos de maneira multidimensional. Para mais informações sobre como criar e implementar esses ambientes inovadores, recomendamos o Painel temático “Práticas Maker” do I Encontro de Educadores do Século XXI. O painel explora desde a criação desses espaços até a mobilização dos professores para potencializar a aprendizagem.
3) A mobilização profissional
Por fim, um fator crucial para uma educação STEAM de qualidade é a mobilização dos professores. Muitos educadores já conhecem e pesquisam a abordagem que integra Ciências, Engenharia, Artes, Design e Matemática. No entanto, eles frequentemente estão sobrecarregados com o currículo tradicional e têm pouco tempo para planejar e colaborar com colegas de outras disciplinas.
Isso resulta em uma perda de potencial nas escolas, onde profissionais capacitados acabam sendo subutilizados. Em contraste, as experiências nas turmas de educação continuada do portfólio Firjan SESI mostram como é valioso ter tempo para refletir, discutir e trocar experiências. Mais do que apenas oferecer capacitação, precisamos mobilizá-los profissionalmente para a transformação das escolas.
Qual é o futuro da educação STEAM?
Como vimos, não há fator determinante para a qualidade da educação STEAM. No entanto, não há educação STEAM de qualidade sem que o professor de física possa compartilhar sobre simulações interativas com o professor de geografia, sem que o professor da área de linguagens e suas tecnologias apresente o prompt da inteligência artificial generativa como um gênero textual, ou que o professor de matemática apresente um software de geometria dinâmica ao professor de história.
Assim sendo, destacamos três fatores importantes para a promoção de uma educação STEAM de qualidade, mas entendemos que este é, na verdade, um esforço multifacetado. A excelência na abordagem STEAM vai além da simples acumulação de recursos tecnológicos. É necessário um comprometimento contínuo para alinhar esses fatores de maneira coesa, garantindo que a transformação digital, os novos ambientes educativos e a mobilização dos professores se integrem de forma eficaz. Só assim poderemos transformar as nossas escolas e formar alunos capacitados para enfrentar os desafios e explorar as oportunidades do século XXI.
*Vitor Fontes é educador e especialista em Conteúdo e Inovação na Casa Firjan. Encontre-o no LinkedIn.
Referências
LÉVY, P. Cibercultura. Editora 34, 2010.
MORÁN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção mídias contemporâneas. Convergências midiáticas, educação e cidadania: aproximações jovens, v. 2, n. 1, p. 15-33, 2015.
NEVES, BARBARA COELHO. Tecnologia e mediação: uma abordagem cognitiva da inclusão digital. CRV, 2017.