O valor do intangível: a criatividade impactando e transformando pessoas, territórios e negócios

Segundo a mais recente edição do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, o Rio de Janeiro é o estado mais criativo do país

em 05/08/2024

O valor do intangível: a criatividade impactando e transformando pessoas, territórios e negócios

Por Julia Zardo e Oswaldo Neto* 

No século XX, o valor de uma empresa era medido pelos seus recursos físicos: estoques, máquinas e equipamentos, prédios e fábricas. Já no século XXI, os ativos intangíveis, de natureza imaterial, assumem um papel importante, não somente nos ofícios criativos, culturais e do conhecimento, mas também nos setores tradicionais, que incluem propriedade intelectual como patentes, marcas, direitos autorais, desenho industrial, assim como softwares, licenças, reputação, domínios da internet e outros. 

Ao se falar em trabalho imaterial, é indispensável pensar na criatividade como potência inventiva central. Nos últimos anos, essa habilidade se tornou cada vez mais desejada no meio corporativo. O principal motivo disso é que, para buscar soluções para os desafios atuais, são necessárias ideias inovadoras, originais e imaginativas. Isso permite construir soluções únicas, novos produtos e serviços, melhorias de processos, estratégias diferenciadas, e uma cultura organizacional mais dinâmica e adaptável. 

Fazendo um recorte territorial, olhando para o Brasil e para o Rio de Janeiro, fica evidente que a criatividade é um diferencial nato. O brasileiro “nasce sabendo” fazer mais com menos, com um toque de improviso natural e uma dose de paixão pelo que faz. Esse jeito de ser é reconhecido e valorizado fora do país, exatamente pela capacidade de resolver problemas de forma ágil, com energia, brilho nos olhos e uma conexão que o mundo admira. E vale ressaltar que existe uma demanda para quem pensa e age dessa forma. A famosa “gambiarra”, característica dos brasileiros que durante anos foi vista de forma negativa e pejorativa, também se refere a uma capacidade de responder rapidamente a uma necessidade com poucos recursos, utilizando o que se tem em volta, exigindo um olhar com uma lente profundamente criativa. Precisamos resgatar a autoestima do povo brasileiro e nos livrar da “síndrome de vira-lata". 

Atualmente, o mundo se debruça em repensar as formas de consumir, produzir alimento, gerar energia, locomoção e a ocupação do espaço urbano. Esses pontos se tornaram desafios que exigem criatividade para as atuais circunstâncias do planeta. O Rio de Janeiro, de acordo com o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil 2022, é o estado mais criativo do país e tem plenas condições de oferecer novas soluções para o mundo. O estado continua sendo o que é, apesar de todas as dificuldades, pela força do seu potencial intangível de ideias, culturas, patrimônios, história e lifestyle. O desafio é como transformar esse Soft Power em valor e diferencial para seus produtos e serviços. 

Reconhecendo a potência criativa do Brasil aliado à indústria, podemos alavancar a reputação do país e fomentar um ambiente de negócios favorável. Em 2014, a ApexBrasil lançou o projeto “Brasil Beyond” - O Brasil que vai além. O objetivo da iniciativa é mostrar que o país é além do que o senso comum ou a grande mídia costuma mostrar, mudando a percepção dos mercados acerca da imagem dos produtos e serviços produzidos aqui, com foco em resultados de negócios para as empresas brasileiras no longo prazo. Alguns exemplos: 

1- Brasil “beyond blue sky” (além do céu azul): a Embraer é a terceira maior fabricante de aviões do mundo; 
2- Brasil “beyond incredible beaches” (além de praias incríveis): a Mormaii é a maior fabricante de roupas de borracha do mundo; 
3- O Brasil é conhecido por seu calor humano e o maior exportador de unidades neonatais do mundo. 

Qual o papel da indústria? 
A indústria tem um papel importante na construção de um futuro desejável e na contribuição para o desenvolvimento do país. Nas reflexões sobre as atuais formas de consumo, nota-se que estamos migrando de uma economia pautada exclusivamente nos recursos tangíveis para a coexistência com a economia do conhecimento e da experiência. 

A economia brasileira ainda faz intenso uso das riquezas naturais, com investimento concentrado em commodities e de acordo com o BNDES, é o segundo maior exportador de minério de ferro. O designer Guto Índio da Costa fez uma observação muito pertinente: é necessário exportar 8 toneladas de minério de ferro para obter o lucro de 1 iPhone e a Apple sequer produz o aparelho; ela somente cria, desenvolve e contrata o resto da cadeia. Além disso, segundo a Embrapa, o Brasil é o maior exportador de café do mundo, porém sem nenhum tipo de valor agregado. A Nespresso, marca suíça, sequer possui áreas de cultivo de café, mas transformou o consumo do produto em uma experiência. Somente 1 grama do café com a marca Nespresso custa 37 vezes o valor de 1 grama do café sem marca e sem design. Através desses exemplos, podemos afirmar que, na era do conhecimento e da experiência, o Design adiciona e agrega valor. Não basta somente produzir; por trás de uma marca existe um intenso trabalho de Design, e assim se gera um valor agregado significativo. 

Apesar do inquestionável valor gerado através do design, o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. Nos principais prêmios internacionais, pouco se vê o Design brasileiro. Na busca por valor agregado através do design, a China é o país mais relevante e faz grandes investimentos para transformar e qualificar o valor dos seus produtos, se tornando o país que mais protege suas marcas e patentes. No Brasil, uma patente de invenção pode demorar até 13 anos para ser concedida. Dessa forma, é de grande importância dinamizar e proteger as marcas e patentes brasileiras com um prazo menor. 

De fato, o Rio de Janeiro é um lugar fantástico apesar de todas as adversidades. O City Index 2023 revela que a cidade é destaque em pontos como festivais culturais fora do comum e uma cultura artística multifacetada e plural. Aspectos como tradição, vida noturna, restaurantes e estilo de vida também compõe essa percepção. Porém, é fundamental aproveitar a força criativa e o Soft Power de forma analítica e estratégica, para que seja possível também a produção de conhecimento e inovação. 

Com exemplos de outros países, vemos que o Design pode ser um vetor de inovação. Contudo, ainda assim o Brasil não o incorporou totalmente aproveitando o potencial e as soluções que são geradas, diferente da China, Alemanha e outras nações que já desenvolvem inúmeras possibilidades abrangendo o Design em suas cadeias produtivas e são reconhecidos por isso. De imediato, o financiamento do desenvolvimento do Design, a aproximação com a indústria e a busca de soluções para questões de propriedade intelectual podem colocar o Brasil em uma posição de relevância internacional. 

O Design se tornou uma “língua internacional” e oferecê-lo incorporando o Soft Power é um diferencial. O Rio de Janeiro tem as curvas, os morros arredondados, as levezas que seduzem e encantam todos os dias, permeando o cotidiano. Estamos sob a influência do meio, e o Rio de Janeiro é exuberante. Na perspectiva da indústria, precisamos amadurecer o debate de “como tangibilizar o intangível?” para “como vender o intangível?”, aproveitando o potencial do Soft Power. Temos um oceano azul de oportunidades. 

Os assuntos abordados no texto também foram discutidos na segunda edição do Diálogos Criativos, realizada pela Casa Firjan. O evento teve como proposta discutir os dois lados da mesma moeda: o intangível dos negócios e da economia - capaz de gerar lucro, royalties e fomentar a competitividade - e o intangível artístico e social, capaz de mudar a história de pessoas e lugares. Ambos capazes de impulsionar a transformação. 

*Julia Zardo é gerente de Ambientes de Inovação da Casa Firjan. Oswaldo Neto é analista de Projetos Especiais da Casa Firjan.