SXSW: A importância de “transver” o mundo e as tendências que precisam estar no seu radar
Inteligência Artificial Geral, Interface Cérebro-Máquina e Biologia Generativa são alguns dos principais temas observados no evento
em 18/04/2024
Por Iuri Campos*
Arte não tem pensa: O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.
- Manoel de Barros
A ideia de que a arte é necessária para “transver” o mundo foi tema da primeira palestra do South by Southwest (SXSW) deste ano, que trouxe um poema incluído na nave espacial Europa Clipper da NASA, que será lançada em outubro de 2024. Nada mais simbólico para expressar a importância dessa interseção - arte e ciência. É através dela, conforme expresso no evento, que poderemos expandir a nossa compreensão de mundo, nos inspirar e gerar ideias inovadoras.
O SXSW, criado em 1987, foi se tornando ao longo dos anos um grande polo de inovação e criatividade em Austin, nos Estados Unidos. O festival atrai referências e especialistas de variados setores de todo o mundo. O Lab de Tendências da Casa Firjan acompanhou essa edição presencialmente e a seguir destacaremos algumas das tendências observadas por lá.
Inteligência Artificial Generativa é o presente. O futuro é a Inteligência Artificial Geral (IAG)
Ao contrário de sistemas de IA especializados, que são projetados para tarefas específicas, a IAG busca replicar a versatilidade e adaptabilidade do pensamento humano em uma ampla gama de contextos e desafios. Shane Legg, cofundador e cientista-chefe de IAG do Google DeepMind acredita que há 50% de chance de termos essa tecnologia disponível em 2028.
A Amazon também está investindo nisso e possui um departamento exclusivo para seu desenvolvimento. Segundo o vice-presidente da organização de Inteligência Artificial Geral da empresa, Vishal Sharma, um assistente de voz baseado em inteligência artificial geral seria capaz de lidar com uma diversidade de solicitações e interações, adaptando-se dinamicamente às necessidades e preferências do usuário. Com a IAG, a Alexa (assistente de voz da Amazon) será capaz de responder a perguntas sobre uma ampla gama de tópicos, realizar tarefas como agendar compromissos, fazer reservas de viagens, pesquisar informações na internet e até mesmo participar de conversas informais de maneira natural e coerente.
Solidão e Inteligência Artificial
Para quem se lembrou do filme HER com isso, 11 anos depois de seu lançamento, a história protagonizada por Joaquim Phoenix, cujo personagem se apaixona por uma assistente de voz, virou realidade para muitas pessoas ao redor do mundo. Já existem casos de pessoas registrando oficialmente o casamento com avatares de inteligência artificial e um dos painéis do festival trouxe o case da empresa Intuition Robotics, que desenvolve acompanhantes baseados em IA, com foco em combater a solidão de viúvos e viúvas que perderam seus companheiros.
Essa é uma das iniciativas que buscam adereçar um problema muito maior: Uma epidemia de solidão. Conforme abordado em diversas palestras, há um grande paradoxo entre o quanto que a tecnologia nos conecta e nos afasta ao mesmo tempo. Uma em cada cinco pessoas nos EUA se sente solitária, incluindo 37% dos adultos mais velhos e 61% dos jovens adultos e esses dados não são muito diferentes no Brasil. A situação é tão alarmante, que o cirurgião geral dos EUA, Dr. Vivek Murthy, emitiu um alerta de saúde sobre solidão, equiparando a desconexão social ao risco de fumar 15 cigarros por dia.
Não existe separação entre saúde física e saúde mental
Por isso, temas relacionados à saúde nunca estiveram tão em alta. Da importância do sono, às novas descobertas da ciência em relação à importância da nossa microbiota intestinal para o funcionamento do cérebro e alinhamento químico de substâncias como serotonina, dopamina e outros hormônios responsáveis pelo nosso bem-estar e produtividade. Passando também por diversos painéis sobre o renascimento psicodélico para uso na saúde e em outras áreas.
CRISPR: A ferramenta de edição genética que pode ajudar a salvar o mundo
Outro destaque importante do SXSW em relação à saúde foi a tecnologia CRISPR. Trata-se de uma ferramenta de edição genética, descoberta pelas cientistas Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier há apenas 11 anos e que lhes rendeu o Prêmio Nobel de Química em 2020 por seu potencial no tratamento de doenças genéticas. Avançando alguns anos, no final de 2023, pela primeira vez na história, foi aprovada a sua utilização para o tratamento em humanos no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Um outro potencial discutido para essa tecnologia foi a sua utilização nos alimentos. Segundo especialistas, esse processo aplicado às plantas poderá mudar o que comemos e a forma como é cultivado. Já existem hoje empresas como a Pairwise, que estão desenvolvendo e cultivando culturas geneticamente editadas que possam resistir melhor às mudanças climáticas, ao mesmo tempo que melhoram a nutrição e o sabor desses alimentos. Diferente dos GMOs (transgênicos), que têm genes externos, o CRISPR usa apenas os genes da própria planta, para manipular uma determinada característica. Segundo Tom Adams, CEO da Pairwise esse processo torna o alimento muito mais natural e saudável, além de oferecer potenciais mais amplos de mudanças na agricultura.
Interface Cérebro-Máquina (BCI)
Outra tecnologia com grande potencial para os próximos anos é a BCI, ou interface cérebro-máquina. Trata-se de uma ponte revolucionária entre a mente humana e a tecnologia digital, que capacita os usuários a controlarem dispositivos eletrônicos, como computadores ou próteses, através da captura das atividades elétricas do cérebro, por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo ou até mesmo dentro do crânio, que são posteriormente traduzidos em comandos para os dispositivos. No final de março desse ano, a Neuralink, startup de chips cerebrais, transmitiu ao vivo seu primeiro paciente implantado com um chip jogando xadrez online apenas com comandos da mente.
Biologia Generativa e Inteligência Organoide
Vale ressaltar que, para todas essas tecnologias discutidas no festival, a inteligência artificial sempre era mencionada como uma impulsionadora das suas potencialidades. Do CRISPR ao BCI, passando até à biologia, como destacado pela futurista Amy Webb em sua aguardada palestra sobre tendências tecnológicas emergentes. Segundo ela, seguindo à inteligência artificial generativa, vem aí a biologia generativa. Essa é a promessa da startup Generate Biomedicines, que treinou uma IA para criar proteínas com estruturas que, até onde se sabe, não existem na natureza. Isso significa a possibilidade de criar novos remédios e suplementos e novas formas de lidar com as mudanças climáticas.
Ainda de acordo com a pesquisadora, a IA está transformando a biologia hoje e a biologia alimentará os computadores de amanhã. A partir disso, cientistas criaram a inteligência organoide, um novo campo de biocomputação que usa células cerebrais para IA, prometendo grandes ganhos de eficiência em relação aos sistemas informáticos tradicionais. Parece ficção científica, mas a expectativa é que, no futuro, teremos “biocomputadores” feitos a partir de células cerebrais humanas. Isso tornaria os computadores mais rápidos, eficientes e inteligentes, com a necessidade de muito menos recursos.
Que possamos “transver” o mundo
Por vezes pode parecer difícil tangibilizar tendências como essas para a realidade do dia a dia, mas é muito importante estar por dentro dessas transformações que estão acontecendo e se familiarizar com novas tecnologias, como as IAs generativas, para se manter relevante no futuro e enxergar possibilidades de cenários que afetarão a sua área de atuação e as empresas.
Como ressaltou Hugh Forrest, um dos criadores do SXSW, em sua fala de encerramento, precisamos estar atentos e vigilantes para que o frenesi em torno dessas novas tecnologias não nos cegue sobre seus potenciais impactos negativos na sociedade. Hugh fez um paralelo com o momento de surgimento das redes sociais há pouco mais de uma década e como, naquela ocasião, ninguém estava vislumbrando todos seus danos colaterais, como a propagação da desinformação, polarização e impactos na saúde mental. Que tenhamos a capacidade de “transver” o mundo e possamos nos munir de conhecimento, tecnologia e arte para navegar diante das tantas incertezas do futuro.
*Iuri Campos é especialista de Inovação na Casa Firjan e apresentador do podcast Lab de Tendências. Encontre-o no LinkedIn.