Entre meados de maio e início de julho deste ano, a Firjan, em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais), Comerc Energia e Megawhat, realizou a série de webinars intitulada de “Da Pandemia para a Utopia” para debater sobre questões relacionadas à crise do novo coronavírus que vem assolando o mundo no ano corrente. Além dos assuntos urgentes, a pauta dos encontros foi pensar na possibilidade do surgimento de uma nova mentalidade no mundo pós-pandemia.
Foram realizados quatro webinars. A série de encontros foi idealizada por José Luiz Alquéres, conselheiro da Casa Firjan, do Cebri e da Comerc Energia, anfitrião em todos os eventos. Trata-se de uma iniciativa concebida para discutir questões que apontem para a construção de uma visão compartilhada de futuro para o estado do Rio de Janeiro e para o país. Nesse sentido, foram convidados especialistas de diversos setores para debater sobre esses assuntos.
O primeiro encontro, intitulado de “Da Pandemia para a Utopia: Utopia verde ”, foi realizado no dia 19/05 e contou com a participação de José Roberto de Castro Neves, advogado e professor titular de Direito da PUC-Rio e da FGV-RJ; com Rosiska Darcy de Oliveira, escritora e membro da ABL – Academia Brasileira de Letras; e com Izabella Teixeira, ex-Ministra de Meio Ambiente, co-presidente do International Resource Panel - IRP/UNEP.
A segunda reflexão, denominada de “Da Pandemia para a Utopia: Rio sem subhabitação em 2040”, foi realizada no dia 17/07 e contou com a participação de José Carlos Sussekind, engenheiro, sócio fundador e ex-presidente do Conselho de Administração do Grupo Águas do Brasil; com Mozart Serra, economista, conselheiro de diversas instituições e ex-funcionário do Banco Mundial; com Paulo Rabello de Castro, economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE e professor da FGV.
O terceiro encontro, alcunhado de “Da Pandemia para a Utopia: Rio – a cidade utópica”, foi realizado no dia 01/07 e contou com a participação de Miguel Pinto Guimarães, arquiteto do estúdio MPGAA, autor de quase mil projetos em todas as regiões do Brasil e no exterior; com Washington Fajardo, arquiteto e ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural; e com Sérgio Magalhães, ex-secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e presidente do Comitê Executivo do 27º Congresso Mundial de Arquitetos.
O último evento, intitulado de “Da Pandemia para a Utopia: Panorama Empresarial”, foi realizado no dia 08/07 e contou com a participação de Marcio Fernandes, empresário e ex-CEO da Elektro, da CPFL, fundador da Thutor e Conselheiros da Comerc; Marcio Fortes, ex-presidente do BNDES e da João Fortes Engenharia, ex-deputado federal e professor visitante da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos; e com Luiz Roberto Ayoub, juiz aposentado, consultor jurídico e Professor da FGV. A abertura foi realizada pela ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira.
O que os quatro temas têm em comum? A busca por um mundo e um futuro melhor. O objetivo dos encontros foi de “pensar fora da caixa”, como fizeram Thomas More e Erasmo de Rotterdam, que escreveram, respectivamente, “A Utopia” e “Elogio da Loucura”, antevendo uma nova mentalidade para os “tempos modernos” da época. No entanto, o conceito de utopia foi perdendo a sua conotação de “mundo melhor” e “ineditismo” e ganhando uma conotação de “inalcançável” ou “indesejável”. A incerteza tomou conta do mundo; o mundo sempre foi incerto, mas a consciência de incerteza não.
Os quatro webinars trataram de temáticas relacionadas ao bem-estar dos indivíduos e a um ambiente de negócios e de convívio social próspero e sustentável. Esses temas, relacionados à vida na sustentável nas cidades, têm relação direta com as causas da pandemia do novo coronavírus. A saúde está ligada à qualidade de vida e do meio ambiente, e a Covid 19 emerge na falha entre a relação homem e natureza. As decisões do hoje afetam diretamente o futuro. Não se controla a natureza, pois ela se move pelo acaso e pela necessidade. Nesse sentido, a sustentabilidade se converteu no caminho viável para lidar com as liberdades individuais e coletivas num mundo em que diferentes sociedades precisam convergir.
A pandemia está vinculada a duas situações muito objetivas da sociedade: a ciência e o humanismo. Por um lado, a ciência é fundamental para superar os efeitos e desafios advindos da atual pandemia, tanto em termos de soluções na área de saúde quanto tecnológicas. Por outro, o humanismo precisa ser expresso por meio de caminhos mais racionais. A humanidade vem desenvolvendo uma onipotência e uma segurança absoluta sobre a vida e a natureza. É preciso compreender a relação entre as pessoas. O lema da agenda sustentável, em específico da Agenda 2030, é “não deixar ninguém para trás”. No Acordo de Paris, estão elencados os compromissos com a erradicação da pobreza e tratamento aos mais vulneráveis.
A questão da desigualdade foi tema recorrente na série. A pandemia não afeta a todos da mesma forma. No atual cenário, algumas pessoas estão trabalhando de casa, mas grande parte da população não passa pela mesma situação. Isso é mais grave no setor informal. Os efeitos da pandemia podem ser sentidos em pessoas que dependem de todos. Nesse contexto, é necessário reforçar uma responsabilidade social e mudar nossa expressão de cidadania. É fundamental construir uma mentalidade que não normalize a desigualdade que assola o país.
O problema da infraestrutura é crônico no Rio de Janeiro, em especial nos segmentos de habitação e de saneamento. Para o país e a cidade se tornarem mais sustentáveis, deve fazer um esforço de aumentar a parcela da população com acesso a esgoto sanitário, que atualmente se encontra em 40% . Ademais, é necessário aprimorar as habitações sub-humanas nas grandes cidades. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 84,72% da população brasileira reside nas cidades , e o Rio de Janeiro é a cidade brasileira com o maior percentual de sua população vivendo em favelas: 22,03%. Essa discussão é passível de superação, se houver engajamento político. Para os palestrantes, é possível realizar um programa de RS 12 bilhões para as favelas para os próximos 20 anos, com 250 mil novas habitações de boa qualidade e beleza arquitetônica.
O problema maior reside na aglomeração das habilitações. Há uma densidade expressiva, o que gera externalidades negativas, e ausência de bens públicos (água tratada, esgoto) e da atuação do estado em determinadas localidades. A questão da subhabitação está intrinsicamente relacionada à desigualdade: a desigualdade intraurbana potencializa a desigualdade de renda. A subhabitação representa a clivagem que continuará existindo na sociedade enquanto for marcada pela exclusão social. Para além da habitação per se, é necessário realizar intervenções em outras esferas, como acesso ao transporte e saneamento básico. É fundamental realizar a universalização dos serviços públicos, com inclusão digital para os jovens mais carentes. O Rio de Janeiro precisa construir políticas públicas de habitação, infraestrutura, mobilidade. Deve-se, portanto, rever o conjunto de políticas inadequadas e a regulação do estado, e conceber tarifas sociais subsidiadas.
A superação da pobreza vem com a geração de valor, isto é, dar ao indivíduo acesso à posse efetiva da sua habitação . A efetiva titulação das moradias, com institucionalização de um CEP, pode auxiliar inclusive no reforço da autoestima da população mais pobre e gera um incentivo de melhoria das residências desses moradores. Outra solução seria pensar em terras comunitárias, pois os proprietários cotistas têm mais possibilidade de interlocução com o governo e com os mercados para produzir riqueza familiar.
No final dos anos 1960, a experiência da Companhia de Desenvolvimento de Comunidade (CODESCO) foi a primeira tentativa de urbanização de uma favela in situ, que abriu o pensamento dos arquitetos e urbanistas para a questão das favelas. Essa e outras experiências deixaram ensinamentos importantes, como a capacitação das municipalidades, a necessidade de arranjos institucionais para além de estados e dos municípios, a recuperação parcial dos custos e o financiamento e subsídios necessários.
Além de novas habitações, é necessário revitalizar áreas degradadas. De acordo com estudo do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na área do centro do Rio de Janeiro , considerando terrenos ociosos, áreas degradadas e galpões abandonados, é possível construir em metade desse território aproximadamente 150 mil unidades habitacionais em seis pavimentos, triplicando o número de domicílios do centro do Rio de Janeiro.
A pandemia demonstrou que a convivência nas cidades é importante. Além de ter posse de uma casa, os indivíduos querem participar da vida da cidade. Nesse sentido, os webinars desta série mostraram a importância de estruturar um rearranjo físico-institucional da cidade, de forma a compor grandes unidades territoriais, com características culturais próprias, equipamento social descentralizado, associações de bairros e núcleos cívicos, recreativos e de serviços. É preciso estimular praças e espaços verdes para a prática de esportes, por exemplo. A segurança, educação e saúde estão no âmbito desse propósito.
O desafio do desenho físico e institucional da cidade nova é enorme, mas é passível de superação. Mantendo o caráter mais proposito, apresentou-se, na série “Da Pandemia para a Utopia”, o que é viável de ser feito nos próximos 20 anos para tornar o Rio de Janeiro cidade com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. A habitação precisa ser o motor de desenvolvimento da cidade. É necessário estruturar um marco regulatório de financiamento da habitação, constituindo um fundo de investimento urbano, para retomar a urbanização das favelas e melhoria das moradias do Programa Favela-Bairro. O sistema habitacional deve dialogar com diferentes públicos.
Novas tecnologias, como impressoras 3D, podem ser implementadas nas habitações das favelas. Além disso, a força das startups pode transformar as favelas. Caso haja universalização de serviços essenciais, somada a uma infraestrutura digna e inclusão digital, pode-se gerar um estimulo para jovens criativos começarem a montar seus negócios. O mercado irá se modificar imensamente nos próximos anos em razão da revolução tecnológica, e a juventude de periferia e comunidade possui conhecimento nessa área. A pandemia demonstrou a importância da capacitação, em específico a questão do treinamento de trabalhadores e empresários para o mundo novo. Devem ser realizados aportes e incentivos para estimular essas atividades.
A segurança é dimensão imprescindível para o desenvolvimento do Rio de Janeiro. As ações violentas depõem contra a reputação da cidade. Isso é fator fundamental para começar a solidificar uma base de confiança para a população. Ainda existe muito preconceito com as áreas periféricas e suburbanas da cidade.
O direito vai ter uma posição importante na reconstrução do país. O direito é garantidor de ordem e de tranquilidade social, estabelecendo regras de conduta e penalidades. Todavia, a pandemia vai tornar a situação dos tribunais ainda mais catastróficas. Isso pode ser resolvido por meio da incorporação da tecnologia, que pode facilitar interações e conversas entre as partes, além de diminuir custos. Assim como o direito foi se tornando mais humano desde o final da Segunda Guerra Mundial, será necessária uma reconstrução a partir do atual cenário para um direito menos combativo.
Para os empresários, há uma conectividade entre assuntos e riscos. Estará inserido neste novo mundo de forma mais competitiva quem for resiliente, e a sustentabilidade é parte das soluções. Nesse sentido, a iniciativa privada precisa se renovar para ter um papel passivo e assumir uma responsabilidade de inovação, produtividade e criatividade para a construção de um novo país. A pandemia pode servir como um marco divisório para a implementação de tecnologia nas empresas e para novos estilos de trabalho.
O empreendedor é o responsável pela geração de riquezas para todos. No entanto, no país ainda há um estigma com relação à figura dele, ao estereótipo do empresário. Há, em vigor, um arcabouço legislativo de práticas e jurisprudências que atrapalham o empreendedorismo no Brasil. Historicamente, a industrialização foi marcada pela estatização, o que retardou a consolidação do mercado livre.
A confiança é um pilar fundamental para levar a uma maior produtividade das empresas e da economia. As empresas que conseguirem fazer isso se destacarão muito e reforçarão sua reputação orgânica. Quando os colaboradores percebem que há uma missão delimitada e sentido no que fazem, eles podem assumir o papel de protagonistas. Todos estão se reinventando, e é necessário usar essa energia criativa para superar a crise.
A expectativa de um novo desenvolvimento para o mundo se ampara na economia do baixo carbono e na sustentabilidade. O mundo pós-covid tende a ter um capitalismo mais humanista, socialmente responsável e ambientalmente saudável. As empresas que não se posicionarem de maneira ativa perante esse novo mundo poderão ser prejudicadas no momento presente e no futuro. Os millennials estão cobrando mais responsabilidade social e sustentabilidade. Há novos estilos de vida, novas gerações e novas tecnologias florescendo. Há, também, muitas iniciativas interessantes ocorrendo no Brasil, como projetos de formação de jovens para a política de forma apartidária, além da mobilização de grupos em várias frentes. Os diálogos e as trocas podem gerar sinergias e bons resultados no atual momento.
O fio condutor dos webinars foi buscar soluções para os desafios que assolam o estado e a cidade com uma visão de 20 anos. Para os palestrantes, é fundamental haver adoção de soluções de mercado, inovações tecnológicas e políticas públicas criativas. No entanto, é necessário agir de imediato, por meio de pequenas ou grandes ações, confiando na ciência. A sociedade precisa assumir uma postura mais responsável e tomar iniciativa.
A normalidade pós pandemia pode ser algo bastante diferente do que se espera. As pessoas terão que aprender a viver com as incertezas. A humanidade está passando por um período de transição. Nesse sentido, os palestrantes compartilharam a visão de que é importante lutar por um futuro diferente.