“Voz, tinta e caneta”: A Relevância da Educação Antirracista no Brasil

Você alguma vez se questionou sobre a perspectiva histórica aprendida na escola e presente nos livros didáticos?

em 29/08/2024

“Voz, tinta e caneta”: A Relevância da Educação Antirracista no Brasil

Por Debbie Mello Noble   

Talvez você já tenha se dado conta de que a perspectiva aprendida na escola não faz jus à complexidade da nossa história, especialmente quando se trata da contribuição das pessoas negras na formação do Brasil. Nesse sentido, é em um romance, e não na “história oficial”, que encontramos uma perspectiva essencial sobre o Brasil, perspectiva que foi por muitos anos – e ainda é – negligenciada.

Um Defeito de Cor e a urgência de ampliar a perspectiva histórica nas escolas  
O romance Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, é muito mais do que uma narrativa envolvente. O livro é uma porta para um passado que, embora doloroso, precisa ser lembrado e compreendido. A história de Kehinde, uma africana que foi sequestrada e trazida para o Brasil como escravizada, revela a brutalidade da escravidão, mas também a força, a resistência e a sensibilidade do povo negro. Ela nos convida a reavaliar a forma como vemos nossa história e, mais importante, a forma como essa história é ensinada nas escolas.

No Brasil, a educação antirracista ainda está engatinhando. Embora a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, exista desde 2003, a realidade é que muitos estudantes ainda têm pouco ou nenhum contato com narrativas negras. Um Defeito de Cor, publicado em 2006, é como um recurso poderoso para preencher essa lacuna, oferecendo uma visão rica e detalhada das origens africanas dos brasileiros e brasileiras negros/negras, e da violência e resistência que marcaram essa trajetória.

Samba e o funk como pedagogia antirracista  
Engana-se quem pensa que a resistência só se dá através da força e do combate. Há resistência na arte, no sensível, na música e no amor. Em 2024, a escola de samba Portela levou essa narrativa de forma sensível para a avenida com um desfile que se tornou histórico e um samba potente, daqueles que grudam na cabeça:

“Sagrado feminino ensinamento, feito águia corta o vento, te encontro ao ver o mar/inspiração à flor da pele preta, tua voz, tinta e caneta... no azul que reina Yemanjá

Homenageando a obra de Ana Maria Gonçalves, a Portela não apenas celebrou a memória afro-brasileira, mas também nos lembrou que o carnaval é um espaço de resistência e de educação. Ali, sob o brilho das luzes da Marquês de Sapucaí e ao som da bateria “Tabajara do Samba”, a história de Kehinde ganhou vida, mostrando ao público que a luta e a resistência do povo negro não podem ser esquecidas.

Esse diálogo entre literatura e carnaval ressalta a importância de abordarmos a história do Brasil sob outra perspectiva, uma que inclua as vozes que foram silenciadas por tanto tempo. Um Defeito de Cor e o desfile da Portela são lembretes de que a educação antirracista não é mais opção, é uma necessidade. Precisamos recontar nossa história de maneira que todos os brasileiros possam se ver refletidos nela.

O programa da Casa Firjan para a formação continuada de educadores 
Essa necessidade passa também pela formação de educadores. Recentemente, tivemos o privilégio de promover na Casa Firjan duas turmas de um curso de formação continuada para docentes focado em educação antirracista e diversidade cultural.

O curso foi conduzido pela professora Ludmylla Gonçalves, trazendo como diferencial uma abordagem prática e inspiradora. Ela trouxe a temática para o dia a dia dos professores, com estratégias de sala de aula que tratam da diversidade cultural, e auxiliam a combater o racismo de forma eficaz e sensível. A música e a arte aparecem aqui novamente: a professora trouxe um enfoque especial ao trabalho com gêneros musicais de origem negra, muitas vezes marginalizados, como o funk e o samba, destacando sua importância cultural na história brasileira e como ferramentas pedagógicas.

Essas práticas enriquecem a formação dos educadores e reforçam o papel da escola como um espaço de diversidade e respeito às diferenças. A história de Kehinde, o desfile da Portela e as estratégias do curso Educação Antirracista mostram que a luta pela diversidade e contra o racismo tem seu lugar na educação.

Se você ainda não leu Um Defeito de Cor, recomendamos fortemente que o faça, não apenas como uma forma de aprender sobre nosso passado sob outra perspectiva, mas como um ato de reconhecimento e valorização dessa história nem sempre contada. Afinal, conhecer o passado é essencial para construir um futuro, um presente e uma educação mais justos e diversos.

“Saravá, Kehinde, teu nome vive! Teu povo é livre! Teu filho venceu, mulher! Em cada um de nós, derrame seu axé!”

*Debbie Noble é educadora e especialista em Conteúdo e Inovação na Casa Firjan. Encontre-a no LinkedIn.